Piso salarial e o Fundo no ensino público 

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Presidente
Valtenio Paes de Andrade

No começo dos anos 80 do século passado perguntei a uma amiga professora por que aceitara deixar a cidade e morar no longínquo povoado para alfabetizar. Ela respondeu: “É bom pra mim, moro no fundo da escola, também como da merenda porque meio salário é pouco”. Era assim, não tinha concurso, plano de carreira nem preocupação com qualificação. Pedia-se uma “cadeira” ao líder político e tornava-se professora. A Constituição de 1988 e a LDB do ensino de 1996 obrigaram a criação de plano de carreira e estatutos do magistério no setor público estabelecendo direitos para o pessoal do magistério.

Doravante me chamem de Fundo. Fui criado pela emenda constitucional 14/96 para o ensino fundamental, depois cresci para toda educação básica pública com a emenda 53/2006 regulamentada pela lei 11.494/2007 e decreto 6.253/2007. A vigência chegou até 2020, portanto tenho maioridade. Nasci e cresci no Congresso Nacional alimentado pela consciência política do pessoal do magistério. Era imperativo nova lei para minha sobrevivência.  Agora sou permanente graças à emenda constitucional 108/2020. Após um ano de atraso legal, me reajustaram para 2022.

Pergunta-se, que jogo é esse de alguns prefeitos e governadores e do presidente? Municípios e Estados são obrigados a cumprir a lei, queiram ou não os governos no país. Se provarem que não têm condições de caixa, a União é obrigada a supri-los com recursos suficientes para pagar salários atualizados regularmente todo ano.

Nas primeiras semanas de fevereiro, atrasado, o presidente se vangloriou posando como um trunfo político a atualização do piso nacional do magistério. A Frente Nacional de Prefeitos, presidida por governante de município sergipano, ensaiou reclamações alegando que os municípios não têm condições de pagar. Ledo engano.  Dizia a lei anterior, bem como a atual no artigo 4°: se Municípios e Estados provarem contabilmente falta de condições de pagar, terão o suprimento da União. O problema é que quem eventualmente não puder pagar terá que abrir sua contabilidade para justificar o recebimento. Gestores não querem mostrar o “segredo” do uso do dinheiro público. Tais fatos geram jogo de cena político em ano eleitoral, apostando na inocência do pessoal do magistério. Educadores(as), consciência política e competência técnica não prejudicam ninguém, antes, durante e depois da eleição.

Em 31/12/20 o presidente “esqueceu” do reajuste anual do piso, agora cumpriu, reajustando com base nos valores de 2020 para R$ 3.845,34. Além do que o artigo 212-A da Constituição federal reproduzido pela lei 9394/96 no artigo 69 determinava desde 1988:

“os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público”.

Nesse toar, me aprovaram como Fundo transformado noutro mais amplo com validade até 2019, até que veio a aprovação da nova lei 14.113 em 2020 com validade indeterminada. Eis o ponto central dos interesses políticos. Com a aprovação da lei 14.276/21 amplia-se a conceituação para “profissionais da educação básica como todos(as)  os(as) profissionais do Magistério desde professor(a), diretor(a) e pedagogo(a), os profissionais de apoio técnico, administrativo ou operacional em efetivo exercício nas redes de educação básica” do país. Antes eram 60% para salários dos profissionais, doravante aumentou para 70% do Fundo. Assim, a segurança salarial continua garantida para todos(as) os profissionais do magistério público na educação básica. Atente-se que o Brasil ocupa o último lugar entre os primeiros 48 países do planeta quanto aos valores pagos em salários aos profissionais do magistério. A Dinamarca ocupava o primeiro em 2019 com o básico de 3750 dólares mensais.

Não dependo de benesses de gestores. Preciso que, qualquer que seja o gestor, cumpra a lei fazendo minha atualização até 31 de dezembro com vigor para o ano subsequente. Fui nominado de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental –Fundef –, depois de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb. O que importa é que não usem meu nome em vão, no jogo político eleitoreiro. Pertenço exclusivamente ao ensino público brasileiro. Educadores(as), estudantes, a ciência e o Brasil merecem.

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(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.